Gestão do Conhecimento é um termo familiar e, ao mesmo tempo, estranho, não acha? Observando suas partes, é fácil entender o que é gestão e o que é conhecimento, separadamente. De uma maneira rápida e superficial, a palavra ‘gestão’ pode ser entendida como uma maneira de organizar, controlar, planejar e priorizar recursos em função de um determinado objetivo que se pretende alcançar. Dessa forma, gerencia-se empresas, pessoas, recursos financeiros etc. Gerenciar nos leva a uma percepção do concreto, do físico, do material. Por sua vez, ‘conhecimento’ é popularmente aceito como aquilo que se sabe sobre alguma coisa. Portanto, conhece-se sobre geografia, sobre matemática e sobre como trocar um pneu de um automóvel. Ou seja, conhecimento está lá dentro do nosso cérebro, envolvido em nossa capacidade cognitiva. Mas, e a combinação dessas duas palavras: gestão e conhecimento? É possível gerenciar o que se sabe? Gerenciar algo que está na mente das pessoas? Qual seria o propósito disso para as organizações? Qual a relevância disso tudo na era da Inteligência Artificial?
Essas perguntas nos levam a refletir sobre como o conhecimento é tratado nas organizações. Historicamente, a ideia de gerenciar o conhecimento é relativamente nova. Foi apenas no século passado que surgiu o conceito de Capital Intelectual – ativo de natureza intangível, ou seja, não pode ser tocado. É entendido como a soma do capital humano, capital estrutural e capital social (ou, para alguns autores, do cliente). Capital estrutural seriam os softwares, os bancos de dados, as patentes, as marcas etc. Capital social seria o conhecimento que a organização tem dos clientes e sociedade, e o relacionamento estabelecido com eles. Capital humano, na perspectiva organizacional, incluiria além do conhecimento, a cultura e os valores[1].
Para as organizações, portanto, o conhecimento é fundamental, tanto em face do alcance de seus objetivos, quanto para se manter à frente ou em pé de igualdade com seus competidores. O conhecimento, assim, torna-se um dos mais valiosos ativos para as organizações. Porém, um ativo intangível. Nesse sentido, segundo Dave Snowden, o conhecimento intrinsicamente traz alguns desafios para ser gerido, entre eles as características de apenas ser obtido de forma voluntária e de ser acessível quando demonstrado na prática. Ou seja, o conhecimento não pode ser recrutado e apenas quando se precisa do conhecimento é que se sabe se o possui ou não[2].
Para enfrentar os desafios do conhecimento para as organizações é que existe a Gestão do Conhecimento. Segundo a Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento (SBGC), Gestão do Conhecimento é:
“(…) compreender e perceber o contexto para uma abordagem de gestão intencional dos processos de identificação, criação, transferência, retenção, aplicação, proteção, experimentação, de conhecimento em produtos, serviços, processos, metodologias e ações de uma organização e/ou sociedade para geração sistêmica de memória, inteligência coletiva e colaborativa e inovação continua, aumentando a capacidade de reestruturação e transformação de sua natureza, renovando persistentemente sua vantagem competitiva[3].”
Pode-se entender que a principal contribuição da Gestão do Conhecimento é o alinhamento do capital intelectual – abrangendo fundamentalmente o conhecimento que existe ou deva existir na organização – com os objetivos, políticas e estratégias da organização. O esforço em possuir conhecimentos que não contribuam com a razão de existência da organização é, para a organização, um desperdício, assim como ignorar os conhecimentos críticos para o alcance dos objetivos, uma temeridade, concorda? Nesse aspecto, ganham relevância para a Gestão do Conhecimento o seu processo de planejamento e diagnóstico.
O intuito do planejamento é estabelecer uma correlação lógica e cronológica entre objetivos a serem alcançados com os recursos e esforços a serem empregados. Para que essa correlação lógica e cronológica seja efetiva, fundamental é realizar o diagnóstico do conhecimento. O diagnóstico é o processo de conhecimento da realidade organização do ponto de vista da Gestão do Conhecimento. O método empregado pela SBGC é um exemplo. Nele, os participantes da organização são levados a analisar três dimensões organizacionais: (i) a do negócio, como foco no alinhamento estratégico; (ii) a práticas de gestão de conhecimento existentes no negócio, mesmo que informalmente; (iii) e a do ambiente, envolvendo cultura, tecnologia e elementos de gestão. O resultado do diagnóstico é uma visão clara dos objetivos de gestão conhecimento a serem perseguidos[4].
Na era da Inteligência Artificial, a Gestão do Conhecimento assume um papel ainda mais crítico para o sucesso das organizações. Com a utilização de sistemas de IA para tomar decisões e automatizar processos, a qualidade dos dados e do conhecimento disponível se torna fundamental. A máxima “lixo que entra, lixo que sai” nunca foi tão relevante, pois os algoritmos de IA refletem a precisão e a relevância dos dados que recebem. Portanto, uma Gestão do Conhecimento eficaz não apenas melhora a eficiência interna das organizações, mas também garante que elas estejam preparadas para explorar todo o potencial da IA. Nesse cenário, a capacidade de gerenciar o conhecimento não é apenas uma vantagem competitiva, mas um requisito essencial para a sobrevivência e o crescimento contínuo das organizações.
[1] MOREIRA, Fabiano G.; VIOLIN, Fábio L.; SILVA, Luciana C. Capital intelectual como vantagem competitiva: um estudo bibliográfico. ReCaPe Revista de Carreiras e Pessoas São Paulo. Volume IV – Número 03 – Set/Out/Nov/Dez 2014 Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/recape/article/view/21839 Site acessado em 17/03/25
[2] PETROBRAS. RH. UP. GCD. PGCTD COAUTOR; THE KNOWLEDGE MANAGEMENT AND ENTERPRISE SOLUTIONS CONFERENCE (2024 : WASHINGTON). Relatório de PDRHE : KMWorld 2024. [s. l.]: PETROBRAS. RH. UP. GCD. PGCTD, 2024. Disponível em: https://research.ebsco.com/linkprocessor/plink?id=ef8f4e20-3cbe-3809-ac03-40a3a8a38d58. Acesso em: 31 mar. 2025.
[3] SBGC. Programa Essencial da GC. Módulo 1: Fundamentos de GC. Tópico 2: GC e Cultura Organizacional. Slides. Março de 2025.
[4] SBGC. Programa Essencial da GC. Módulo 1: Fundamentos de GC. Tópico 4: Diagnóstico da GC e Mapeamento de Conhecimento Crítico. Slides. Março de 2025.
Sobre o autor: Arturo C. Catunda é Doutor em Educação e trabalha com Gestão do Conhecimento na Universidade Petrobras. É formado em administração pela Universidade Federal da Bahia (1997), possui as titulações de especialista em Inteligência de Negócio pela PUC-RIO (2021), Doutor em Educação (2012) e Mestre em Administração (2007), ambos pela UFBA, MBA em Marketing (2001).
É autor de “As Aventuras de Max e Biriba (2014)”, “Angélica Negra (2016)”, “O Gato e a Lua (2018)” e “O Papafigo (2024)”.