“EU ADIVINHO SEM NINGUÉM TER ME CONTADO” : desafios da conversão do conhecimento nas organizações e o papel do planejamento e diagnóstico em GC

por Talita Troleze 

Falar sobre Gestão do Conhecimento (GC) exige reconhecer a complexidade dos processos que tornam o conhecimento acessível e utilizável nas organizações. No cotidiano institucional, é comum que colaboradores aprendam por tentativa e erro — “adivinhando” como fazer — em razão da ausência de mecanismos estruturados de compartilhamento. Isso ocorre, muitas vezes, porque o conhecimento permanece restrito à experiência de algumas pessoas e não é devidamente registrado ou compartilhado.

Converter experiências em conteúdos replicáveis ainda é um desafio, o título deste artigo remete justamente a essa dificuldade. Sem um sistema de GC, enfrentamos problemas como: conhecimento não estruturado, dificuldade de localizar informações, centralização em nichos e perda de memória organizacional. A GC, quando bem implementada, permite identificar, reter, transferir e aplicar o conhecimento de forma estratégica, mas isso exige planejamento e diagnóstico precisos.

 

Desafios na conversão do conhecimento

A conversão do conhecimento é um dos processos centrais da GC e pode ser compreendida por meio do Modelo SECI[1], que descreve quatro modos dinâmicos de conversão entre conhecimento tácito (experiências, vivências) e explícito (documentos, procedimentos):

  • Socialização: processo de compartilhamento de experiências e vivências, sem que haja necessariamente um registro estruturado do processo, o que ocorre é uma relação tácito-tácito.
  • Externalização: neste processo já é possível identificar a conversão das experiências em conceitos, é um processo chave para criação de conhecimento tácito a partir dos conhecimentos explícitos. Aqui vemos a relação tácito-explícito.
  • Combinação: com a externalização de conhecimentos podemos sistematizar conceitos em um sistema de conhecimento, combinando e reconfigurando as informações existentes. Neste processo opera a relação explícito-explícito.
  • Internalização: por fim, o processo de internalização trata da modificação do conhecimento explícito a partir das experiências adquiridas, está intimamente relacionada ao “aprender fazendo”.

Este processo pode apresentar desafios significativos, seja pela resistência à formalização e documentação de conhecimentos ou pela ausência de processos estruturados fazendo com que o compartilhamento circule apenas de maneira tácita. Quando não garantimos que o processo de conversão ocorra, o conhecimento essencial pode ser perdido devido à rotatividade de funcionários, falta de registro adequado ou pela ausência de uma cultura de compartilhamento

A GC deve atuar como um facilitador no processo de conversão, promovendo mecanismos que garantem a captura, transferência e aplicação do conhecimento organizacional. Para fomentar estratégias para que o conhecimento tácito seja convertido em explícito (e vice-versa) é necessário mapear processos e fluxos utilizados, analisar as redes de conhecimento existentes na equipe, mapear os conhecimentos críticos e definir as prioridades em GC, para que as práticas implementadas estejam alinhadas ao contexto e possam, de fato, suportar o negócio e a estratégia organizacional.

Planejamento e Diagnóstico de GC

Para identificar as práticas mais efetivas e ferramentas que podem apoiar a conversão do conhecimento, é preciso compreender os desafios estratégicos da organização e os problemas de conhecimento que impactam estes desafios[2].

O planejamento é a etapa inicial que define como a organização estruturará e conduzirá sua estratégia de GC – e quais práticas irá implementar. Ele contempla a definição de escopo e prioridades, bem como a identificação dos principais stakeholders — incluindo patrocinadores, apoiadores e públicos impactados — e o desenho de uma governança adequada à complexidade do tema. A execução do projeto dependerá de recursos adequados de equipe, orçamento, tempo e tecnologia, cuja viabilidade será considerada desde a etapa de planejamento.

Também são mapeados riscos potenciais e estratégias de mitigação, com destaque para a necessidade de engajamento institucional e gestão de possíveis resistências. O cronograma deve ser estruturado com base em entregáveis claros e etapas realistas, que permitam o acompanhamento dos avanços ao longo do tempo.

Por fim, é importante definir um plano de comunicação que considere diferentes públicos internos, com linguagem e canais adaptados à realidade da organização, assegurando que a GC seja compreendida, valorizada e incorporada de forma efetiva ao cotidiano institucional.

Um dos principais desafios deste processo é garantir o alinhamento da iniciativa com os objetivos estratégicos, assegurando que a GC contribua diretamente para suportar as prioridades de negócio da organização. Outro obstáculo comum é a resistência cultural, uma vez que mudanças provocadas pela GC exigem novas práticas e comportamentos que nem sempre são facilmente adotados, por isso a Gestão de Mudança também pode ser considerada como item do planejamento.

O diagnóstico representa outra etapa essencial e preliminar para a implementação de uma estratégia estruturada de GC. Ele se faz necessário especialmente quando não há iniciativas formalizadas, permitindo uma avaliação detalhada de diferentes aspectos que impactam o conhecimento organizacional. Dentre os principais aspectos analisados estão:

  • Modelo de negócio e propósito da organização;
  • Estratégia e desafios organizacionais;
  • Identificação dos conhecimentos essenciais e críticos;
  • Identificação de práticas e iniciativas que impactam o conhecimento;
  • Análise da cultura organizacional e do modelo de gestão;
  • Tecnologia e infraestrutura disponíveis;
  • Políticas e diretrizes institucionais.

A realização do diagnóstico geralmente se inicia com uma análise documental, que permite um entendimento inicial da estrutura organizacional, dos processos existentes e das diretrizes formais que orientam a gestão do conhecimento. A partir dessa etapa preparatória, o processo de diagnóstico se desenvolve em diferentes fases para compreensão dos aspectos mencionados.

Assim como no planejamento, o processo de diagnóstico pode enfrentar diversos desafios, tanto metodológicos quanto organizacionais. Entre eles, destacam-se a dificuldade de engajamento das partes interessadas, especialmente quando a cultura organizacional não valoriza a troca e o compartilhamento de conhecimento. A falta de clareza sobre os objetivos e benefícios do diagnóstico pode gerar resistências e comprometer a coleta de informações. Além disso, a limitação de recursos, como tempo e equipe qualificada, pode dificultar a realização de um mapeamento abrangente e preciso.

Outro desafio comum é a ausência de dados estruturados sobre as práticas de conhecimento, exigindo um esforço maior para identificar lacunas e oportunidades de melhoria. Por fim, a necessidade de validar os resultados e garantir que as recomendações sejam incorporadas na estratégia organizacional é essencial para evitar que o diagnóstico se torne apenas um levantamento pontual, sem impacto real na GC.

Coisas que eu sei…

O conhecimento não se limita ao que está registrado. Ele emerge nas relações, nas práticas e na cultura das organizações, sendo continuamente transformado pelas experiências e interações. Uma GC estruturada evita que cada colaborador precise descobrir – ou adivinhar – sozinho “como as coisas funcionam”, tornando o conhecimento um ativo coletivo e estratégico.

Ao refletirmos sobre os processos de conversão do conhecimento, é importante ir além das formas de gerar e transferir saberes, focando também no impacto que exercem sobre a cultura, a colaboração e a capacidade de inovação. O planejamento e o diagnóstico, quando bem conduzidos, criam as bases para uma estrutura organizacional que valoriza o compartilhamento, fortalece a inteligência coletiva e amplia o impacto do conhecimento no dia a dia institucional.

[1] NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997.

[2] Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento. Programa Essencial da Gestão do Conhecimento – Módulo 1: Fundamentos de Gestão do Conhecimento, Diagnóstico e Mapeamento. Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento. São Paulo: SBGC, 2018.

 

Sobre a autora: Talita Troleze é psicóloga com especialização em Pedagogia Social e atua na interseção entre educação, produção e gestão do conhecimento. Com ampla experiência em projetos sociais, se dedica a criar ambientes colaborativos que favoreçam a aprendizagem contínua e o fortalecimento de culturas. Atualmente, trabalha com Gestão do Conhecimento na Fundação FEAC, onde lidera iniciativas inovadoras de sistematização de aprendizados e divulgação de conhecimento.

Sobre o autor:

selo-Certificado
Alunos da Certificação Gestor do Conhecimento da SBGC

Os conteúdos assinados por alunos da Certificação Gestor do Conhecimento da SBGC fazem parte das atividades práticas da formação. Por meio dessas publicações, nossos participantes colocam em prática os conhecimentos adquiridos, contribuindo com reflexões, experiências e boas práticas para a comunidade. Esta iniciativa reforça o compromisso da SBGC com o desenvolvimento de profissionais que transformam organizações por meio da Gestão do Conhecimento.

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