Gestão do Conhecimento: Uma análise a partir de definições

Não há um consenso sobre o que é conhecimento. Há definições diversas que por muitas vezes tendem a caracterizar, descrever, exemplificar mas não exatamente definir conhecimento. Este artigo discute algumas definições propostas na literatura e, a partir delas, busca delinear alguns desafios da gestão do conhecimento. ​


O QUE É CONHECIMENTO

A tarefa de definir o que é conhecimento já atrai o ser humano desde os filósofos gregos. Aqui, nosso interesse é pelo conhecimento corporativo, aquele que afeta o resultado das organizações. Então, como a discussão da definição de conhecimento pode escapar de um caráter desinteressante para o nosso objetivo e contribuir para questões corporativas? Em primeiro lugar a própria tentativa de definir o que é conhecimento já revela uma “visão de mundo”. Definir algo tem relação com dominar, estabelecer limites, exercer algum controle. Assim, a motivação em definir o que é conhecimento e a resposta obtida, são pistas de como a organização trata o tema.
É provável que a definição da empresa se assemelhe a alguma das definições exemplificadas na tabela 1.

Tabela 1 – Definições de conhecimento.

Na definição de Davenport e Prusak (1997), destacam-se os seguintes termos chave: experiência, informações, insight, mente de um conhecedor, organizações, normas organizacionais. No caso de Setzer, 1999 destacam-se: abstração interior, pessoal, experimentado, vivenciado. Para a definição de Gonzalez and Martins (2017): ativo, organização, ação organizada, indivíduos, contexto. Finalmente, observa-se como termos chave na definição de AlDahdouh et al (2015): rede, aprendizagem, processo. Esses grupos de palavras destacadas passam uma mensagem sobre o que a organização acredita, como ela se comporta ou se comportará frente às questões e dilemas tratados na gestão do conhecimento. As características das três escolas de gestão do conhecimento propostas por Earl, 2001 (figura 1) auxiliam na compreensão desta mensagem.

Figura 1 – Escolas de gestão do conhecimento (Earl, 2001).

Para uma organização que entenda o conhecimento com os elementos: informações, insight, mente de um conhecedor, organizações, normas organizacionais, uma interpretação possível é que esta tenha um pensamento tecnocrático. Isso permite inferir, por exemplo, os fatores críticos de sucesso e a filosofia de GC da empresa. Tais questões deverão ser confirmadas durante o diagnóstico. Quando a empresa vê o conhecimento como um ativo, que é gerado dentro da organização, em um dado contexto, vê-se uma aproximação com o pensamento econômico. Os termos chave trazidos por AlDahdouh et al.,(2015) remetem ao pensamento comportamental da GC, que se reflete em redes, colaboração e comunidades, contexto ligado a corporações atuantes no setor educacional. A definição de Setzer (1997) não trouxe elementos suficientes para encaixar nas escolas definidas por Earl (2001).

BIAS NAS SOLUÇÕES E BIAS NO DIAGNÓSTICO: ARMADILHAS

O reconhecimento da existência de diferentes visões na forma como as empresas enxergam a GC, que vai refletir no seu foco, fatores críticos de sucesso, contribuição da tecnologia e filosofia, por exemplo, podem auxiliar na seleção de práticas mais adequadas ao mindset da empresa. Para o instituto Polis, por exemplo, “conhecimento é sinônimo de liberdade e elemento chave no exercício pleno da cidadania e participação politica”. Essa concepção, oriunda de uma organização que visa o desenvolvimento local na construção de cidades mais justas, sustentáveis e democráticas, está aderente a uma visão de comunidades, conectar pessoas e instituições em rede, incentivar o engajamento e a colaboração (escola comportamental). Com base nesse racional, um dos resultados possíveis de GC é garantir a efetividade das políticas públicas aplicadas em uma dada comunidade e o conhecimento deve ser compartilhado e empoderador, levando a aplicação e ação. Por outro lado, na visão da empresa TOTVS conhecimento é resultado do processamento de informações por uma pessoa. Nesse caso, há uma relação direta com a experiência desse indivíduo, podendo modificar o seu comportamento e gerar hipóteses, por exemplo. O que se tira de conclusão, portanto, é que uma empresa deve categorizar seus recursos intelectuais, estabelecer formas de transformar dados em informação e, por fim, informação em conhecimento. A mensagem transmitida pela TOTVS conduz a uma visão tecnocrática, onde o conhecimento vem da transformação do dado e da informação. Consequentemente, acredita-se que bases de dados e seu compartilhamento são contribuições importantes oriundas da tecnologia. Nesse cenário, considerando a eficiência operacional (rapidez e baixo custo) como resultados desejáveis, a valorização das bases de dados abre espaço para ser uma possível solução para reter conhecimento. Contudo, não se trata de um encaixe perfeito. Quando a TOTVS diz que a empresa deve “categorizar seus recursos intelectuais” há uma influência da escola econômica (conhecimento como ativo).

Finalmente, vale ressaltar que os diagnósticos, muitas vezes materializados em questionários, entrevistas, visitas e observação da atuação do trabalhador in loco, podem sofrer vieses (bias), se o observador estiver com uma “lente” tecnocrática, econômica ou comportamental. Os instrumentos de avaliação costumam ser calibrados para evitar vieses mas há espaço para subjetividades na interpretação dos resultados, ainda que se usem ferramentas estatísticas para garantir certo equilíbrio. Portanto, ao reconhecer que é muito difícil se despir de “ideologias”, pode ser interessante reconhecer que elas existem (escolas de GC), quais são e se os nossos instrumentos estão de alguma forma enviesados. Com isso, tenta-se perceber se a intepretação está penalizando determinada dimensão por não encontrar, por exemplo, elementos tecnocráticos na GC da empresa que pode ter elementos comportamentais-espaciais não tão visíveis.

por ​Dean Pereira de Melo. 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

AlDahdouh, A., Osorio, A., & Caires, S. (2015). Understanding knowledge network, learning and connectivism. International journal of instructional technology and distance learning, 12(10).
Davenport, T. H., & Prusak, L. (1997). Information ecology: Mastering the information and knowledge environment. Oxford University Press on Demand.
Earl, M. (2001). Knowledge management strategies: Toward a taxonomy. Journal of management information systems, 18(1), 215-233.
Gonzalez, R. V. D., & Martins, M. F. (2017). Knowledge Management Process: a theoretical-conceptual research. Gestão & Produção, 24, 248-265.
Setzer, V. W. (1999). Dado, informação, conhecimento e competência. DataGramaZero Revista de Ciência da Informação, n. 0, 28.


Sobre o autor:

Dean Pereira de Melo é graduado em Geologia pela UERJ e atua na área de gestão de dados geológicos, na Petrobras. Nesta área, seus principais interesses são: políticas de dados, papéis e responsabilidades, conformidade legal e democratização de dados. Mais recentemente, está se dedicando à gestão do conhecimento e é doutorando do programa de pós-graduação neste tema, na UFMG.