Planejamento e diagnóstico na gestão do conhecimento

O que é gestão do conhecimento?

Para entendermos a gestão do conhecimento, é necessário definir o escopo semântico do que é conhecimento. A ideia mais abrangente define o conhecimento como uma crença verdadeira justificada, mas até mesmo Platão deixou de concluir a definição de conhecimento, em Teeteto, dada a dificuldade em explicar de forma satisfatória os critérios para uma justificativa suficiente que subsidiasse a verdade de determinada crença (Chappell, 2019).

O critério rígido da filosofia existe pela necessidade da definição ontológica do fenômeno, mas esse nível de exigência não é o que se busca quando falamos do conhecimento organizacional. Nas organizações, o estudo do conhecimento se estende menos a sua justificativa, e mais a sua origem e acionabilidade (de onde ele vem, para que serve e como deve ser usado). Esse enfoque fica evidente quando percebemos que o ponto de partida da literatura em gestão do conhecimento geralmente pressupõe as definições propostas por Michael Polanyi acerca das dimensões tácitas e explícitas do conhecimento. Em suma, o que se pretende é entender quais são as espécies de conhecimento, para que elas sejam utilizadas como ativos em busca de valor. Nesse sentido, explícito é o conhecimento formal e sistemático — que se registra e transmite com facilidade — e o implícito é o subjetivo e difícil de formalizar, oriundo da experiência e intuição.

Diferente de um indivíduo, cujo conhecimento adquirido pode ter valor puramente intrínseco, no contexto das organizações, o conhecimento possui valor estritamente instrumental (ou extrínseco), ou seja, sempre deve servir para alcançar um determinado fim.

É importante saber que uma definição precisa acerca do que é o conhecimento ainda não é pacífica, porém, até aqui, conseguimos identificar que partindo de um senso comum acerca do que é conhecimento, podemos refinar o conceito tendo em vista que almejamos um conhecimento instrumental, que é relevante à organização, e que dispensa uma justificativa de rigor acadêmico acerca da sua veracidade.

Armadilhas e desafios

O conceito intuitivo de conhecimento, embora possa nos ajudar a criar um ponto de partida, também pode nos levar a alguns equívocos. Por exemplo, o de acreditar que todas as informações são valiosas e devam ser capturadas. É preciso entender que a informação é um conjunto de dados organizados que fazem sentido, mas o conhecimento é a aplicabilidade desse conjunto em um determinado contexto. Além disso, nem todo conhecimento é necessariamente útil de ser gerido, a depender dos fins da organização.

Em relação ao termo “gestão”, ele é um guarda-chuva semântico para diversas ações. Se estamos gerindo pessoas, por exemplo, liderar, treinar e orientar, fazem parte do que se entende por gestão. Já ao gerir o conhecimento pessoal, capturar, classificar e organizar são verbos centrais da prática. Porém, na gestão do conhecimento organizacional, as variáveis “equipe”, e “valor aplicado à organização” devem ser vistas como um norte para compreender o alcance semântico da gestão nesse contexto. Sendo assim, além da captura do conhecimento, o compartilhamento é uma ação crucial para qualquer sistema de gestão de conhecimento.

Ainda que haja desafios em todas as etapas de gestão do conhecimento, é no compartilhamento que residem as maiores contendas. A organização é, por definição, um conjunto de indivíduos, e, cada um desses possui crenças, valores e motivações diferentes para as suas ações voluntárias, incluindo a ação de compartilhar conhecimento que possuem. Sendo assim, o alicerce da gestão do conhecimento está na colaboração voluntária dos trabalhadores, o que permite criar e compartilhar o conhecimento de forma eficaz na organização, seja ela uma empresa, órgão público ou entidade do terceiro setor.

Resultados

Em uma economia que gera mais de 100 zettabytes de dados por ano, ninguém está imune às adaptações necessárias para lidar com essa sobrecarga de informações. No passado, a organização era vista como uma máquina de processamento de informações, onde o conhecimento era fatiado em partes pequenas o suficiente para serem executados até por um empregado destreinado, para que depois fosse sintetizado no fim do processo. Esse método não se mostra mais adequado às necessidades contemporâneas, sendo necessário que o paradigma seja alterado para que enxerguemos a organização como um ente criador de conhecimento (NONAKA, TAKEUCHI, 2008, p. 93-94).

Isso significa que a organização deve estar atenta ao conhecimento constantemente produzido em seu interior. Com os mecanismos efetivos de captura e compartilhamento, o que se espera é que não haja fuga de capital intelectual, seja pela saída de um trabalhador que acumula conhecimento em si, ou pela vaporização das experiências, insights e intuições dos trabalhadores, sem que isso seja condensado em conhecimento aplicável. Isso se traduz em uma empresa competitiva no mercado de trabalho e mais atraente para os empregados (Deloitte, 2021).

Resultados

Em uma economia que gera mais de 100 zettabytes de dados por ano, ninguém está imune às adaptações necessárias para lidar com essa sobrecarga de informações. No passado, a organização era vista como uma máquina de processamento de informações, onde o conhecimento era fatiado em partes pequenas o suficiente para serem executados até por um empregado destreinado, para que depois fosse sintetizado no fim do processo. Esse método não se mostra mais adequado às necessidades contemporâneas, sendo necessário que o paradigma seja alterado para que enxerguemos a organização como um ente criador de conhecimento (NONAKA, TAKEUCHI, 2008, p. 93-94).

Isso significa que a organização deve estar atenta ao conhecimento constantemente produzido em seu interior. Com os mecanismos efetivos de captura e compartilhamento, o que se espera é que não haja fuga de capital intelectual, seja pela saída de um trabalhador que acumula conhecimento em si, ou pela vaporização das experiências, insights e intuições dos trabalhadores, sem que isso seja condensado em conhecimento aplicável. Isso se traduz em uma empresa competitiva no mercado de trabalho e mais atraente para os empregados (Deloitte, 2021).

Planejamento de GC

Imagine uma biblioteca onde os livros estão meticulosamente organizados. Você pode encontrar exatamente o que procura ou simplesmente “navegar” pelos temas das estantes até que um título chame sua atenção. Essa organização eficiente é fruto do trabalho de um bibliotecário que capturou, avaliou, classificou e organizou cada livro em seu devido lugar.

Nas organizações, o planejamento de gestão do conhecimento tem um papel semelhante, mas com desafios adicionais. Diferentemente de uma biblioteca com sistemas de classificação predefinidos, o conhecimento organizacional não segue uma tabela rígida. Isso ocorre porque a natureza do conhecimento corporativo é complexa, multifacetada e, muitas vezes, abstrata. O gestor do conhecimento deve, portanto, ser capaz de lidar com essas características distintas.

Para que a gestão do conhecimento seja eficaz, é crucial que o gestor compreenda as necessidades e peculiaridades da organização. Com essa compreensão, ele pode elaborar um planejamento de GC sob medida. O objetivo é criar uma estrutura que permita à organização capturar, compartilhar e aplicar o conhecimento de maneira sistemática e eficiente, através de práticas que sustentem essa gestão ao longo do tempo. Isso assegura que o conhecimento essencial seja preservado e compartilhado, permitindo que a organização aprenda continuamente e aprimore sua base racional para tomada de decisões.

Etapas do planejamento

Pense em alguém planejando uma viagem entre duas cidades, mas se deparando com um desvio inesperado. Um mapa atualizado é essencial não só para chegar ao destino, mas também para estimar o tempo de viagem. De modo similar, as organizações buscam objetivos específicos e necessitam de conhecimentos atualizados para alcançá-los, evitando tentativas sem fundamento ou baseadas em informações obsoletas.

O primeiro passo é, portanto, compreender as necessidades de conhecimento: o que os colaboradores precisam saber para desempenhar suas funções e onde reside o conhecimento crítico a ser capturado. Em seguida, o gestor de GC deve mapear o conhecimento, distinguindo entre conhecimento tácito e explícito.

Com o mapa do conhecimento em mãos, desenvolve-se uma estratégia para captura e compartilhamento. Esta pode envolver sistemas tecnológicos, redes de colaboração e a criação de uma cultura de compartilhamento. Não há uma fórmula universal — a estratégia deve sempre considerar o contexto e as particularidades (desafios, limitações legais, ambiente) da organização.

Por fim, dada a natureza dinâmica do conhecimento, a estratégia deve ser revisada periodicamente para se ajustar às novas necessidades da organização e do mercado.

 

Armadilhas e desafios

Na era da inteligência artificial, é comum superestimar o poder da tecnologia na resolução de problemas de gestão do conhecimento. Embora as IAs generativas sejam poderosas, elas ainda dependem de comandos adequados para oferecer soluções eficazes. Se o operador humano desconhece as necessidades e o conhecimento produzido na organização, nenhuma ferramenta poderá gerenciar algo ainda não descoberto. Além disso, não se deve subestimar a complexidade de gerenciar o conhecimento tácito, que requer vivência e experiências práticas para ser capturado e transferido.

Outro desafio significativo é a questão da voluntariedade. Como diz o ditado, “você pode levar um cavalo até à água, mas não pode forçá-lo a beber”. A tecnologia é apenas o meio de levar o “cavalo” até à “água”, mas é a implementação da cultura que fará com que ele queira “bebê-la”. A cultura organizacional é frequentemente o principal obstáculo na gestão do conhecimento, devido à resistência à mudança e à crença equivocada de que reter conhecimento garante estabilidade no emprego.

Resultados

Um planejamento bem-sucedido resulta em métodos eficazes para captura e compartilhamento de informações. Como consequência, temos uma organização ágil, capaz de preservar o conhecimento crítico e responder rapidamente às mudanças do mercado.

Diagnóstico de GC

O sistema de GC pode ser comparado a um encanamento, onde o que flui é o conhecimento. Assim como uma rede hidráulica necessita de manutenção, o sistema de GC pode apresentar pontos de obstrução ou ineficiência no fluxo do conhecimento. O diagnóstico busca identificar esses “vazamentos” e oportunidades de melhoria. Esta prática é fundamental para compreender os pontos fortes e fracos da GC na organização.

Etapas do diagnóstico

Para realizar o diagnóstico de GC, o primeiro passo é a avaliação do fluxo de conhecimento, onde é essencial entender como o conhecimento circula dentro da organização. Isso envolve identificar onde o conhecimento é gerado, de que maneira ele é compartilhado entre os colaboradores e quais são os principais utilizadores desse conhecimento. A seguir, é fundamental realizar uma análise das ferramentas e tecnologias que a organização utiliza para gerir esse conhecimento. Esse processo consiste em avaliar a eficácia dessas ferramentas e plataformas, bem como verificar se estão sendo usadas de forma correta e eficiente pelos funcionários.

Outro passo importante é conduzir entrevistas e pesquisas com os colaboradores, a fim de compreender suas percepções sobre a gestão do conhecimento na organização. Nessa etapa, é crucial investigar se eles têm acesso fácil ao conhecimento de que precisam e se sentem motivados a compartilhar suas próprias experiências e saberes. Por fim, é necessário proceder à medição de impacto, analisando como a gestão do conhecimento influencia os resultados da organização. Isso inclui verificar a eficácia na resolução de problemas, o nível de inovação alcançado e a eficiência geral dos processos organizacionais.

Armadilhas e desafios

Uma das principais armadilhas no processo de diagnóstico é não envolver todas as partes interessadas. Pode-se cair no erro de consultar apenas os gerentes sobre o fluxo de conhecimento, negligenciando os trabalhadores que lidam diretamente com ele. Essa abordagem pode gerar distorções no resultado. Além disso, é crucial atentar-se ao conhecimento tácito que, por sua natureza difícil de capturar, pode não aparecer nos sistemas formais e, consequentemente, ser ignorado.

O conhecimento, por sua essência, é um valor incomensurável. Embora possam ser arbitradas métricas e escalas, ele não possui natureza puramente quantitativa. Isso torna desafiador o processo de avaliação do seu impacto na organização, especialmente quando se trata do conhecimento tácito. Ademais, alguns funcionários podem interpretar o processo de diagnóstico como uma avaliação crítica de suas atividades, oferecendo resistência nessa etapa.

Resultados

O principal benefício esperado do diagnóstico de GC é obter uma visão clara dos pontos fortes e fracos da gestão do conhecimento na organização. Com esse mapa em mãos, é possível atuar pontualmente nas áreas que mais fazem diferença. Como resultado, a organização pode melhorar a eficiência na alocação de recursos, garantindo que o conhecimento flua da melhor forma possível.

Referências
Chappell, Sophie G. (2019). Plato on Knowledge in the Theaetetus. Stanford Encyclopedia of Philosophy
Deloitte Insights (2021). The new knowledge management. Disponível em: https://www2.deloitte.com/us/en/insights/focus/technology-and-the-future-of-work/organizational-knowledge-management.html.
Nonaka, Ikujiro; Takeuchi, Hirotaka (2008). Gestão do Conhecimento. Porto Alegre: Bookman.

É bacharel em Direito pela UEL e Mestre em Ética e Filosofia Política pela mesma instituição. Atualmente, cursa a pós-graduação em gestão do conhecimento pela Faculdade Focus e é aluno especial do programa de doutorado em Ciência da Informação da UEL. Profissionalmente, é gerente do Departamento de Documentação e Informação da Câmara Municipal de Londrina-PR e exerce a advocacia consultiva.

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