por Fernando Fukunaga
O cenário contemporâneo dos Institutos de Pesquisas Aplicadas implica em novos modelos de gestão de pesquisa e desenvolvimento experimental e da inovação para a produção de conhecimento atrelado a geração de produtos (bens e serviços) de interesse social. Este cenário propõe a inserção de abordagens abertas caracterizada pela colaboração em massa, protagonizada pelos indivíduos (pesquisadores) e organizações (institutos de pesquisa).
A ideia da colaboração em massa para fazer pesquisa e desenvolvimento implica em colaboração antes, durante e após o trabalho: envolvendo etapas de desenvolvimento de novos produtos, processos e métodos, e de sua introdução e apropriação no mercado e na sociedade. Mecanismos de gestão para este cenário já são bem conhecidos por nós: redes, consórcio, comunidades de práticas, comunidades de interesse e plataformas wikis. A coordenação destes mecanismos pode ser realizada por um ator ou um grupo de atores centrais, num outro extremo estabelecer-se como uma auto-organização a partir de interesses múltiplos dos indivíduos (Salles Filho, Bin & Ferro, 2007). Neste texto vamos nos ater ao mecanismo de organização desse processo por meio da comunidade de prática (CdP) que nos parece ser bem sofisticada, alinhada com o conceito de estratégia de inovação e com os problemas do dia a dia dos pesquisadores e institutos de pesquisa.
As ideias de CdP ficaram bem conhecidas pelos estudos protagonizados por Etienne Wenger. Há três ideias interessantes sobre CdP que se alinham a gestão do conhecimento e inovação: (1) O cultivo de CdP’s possui relação com uma estratégia de inovação; (2) O interesse principal é o conhecimento tácito; (3) Uma CdP necessita de diversidade de ideias e experiências sobre um mesmo domínio. O conceito de CdP possui três pilares fundamentais:
- Domínio – significa a preocupação, a paixão, o interesse por “algo” (ex.: assuntos, disciplinas, tecnologias, entre outros);
- Atuação em Comunidade – define o comportamento, as crenças, as relações e as interações sociais dos indivíduos que possuem o mesmo “domínio”, para a busca de um objetivo comum e colaborando para uma cultura de sucesso.
- Prática – a prática é o fazer, o saber como fazer dentro de um determinado domínio, e atuando em comunidade por meio do compartilhamento de histórias experiências e conversações cria-se um ciclo de aprendizagem para tornar esse “saber como fazer” cada vez melhor ou até mesmo inovador.
Embora o discurso da colaboração e mais especificamente o uso de mecanismos que a propiciem sejam intensos no setor, encontrar casos tecnicamente de referência não é tão simples. Vejamos um bom caso, o caso CGIAR: uma parceria global de pesquisa em busca de um futuro com segurança alimentar, dedicado à redução da pobreza, melhoria da segurança alimentar e nutricional, e melhoria dos recursos naturais. O CGIAR criou uma plataforma para o Big Data na Agricultura, a plataforma possui três atividades: (a) Organize – suporte e melhoria na geração, acesso e gestão de dados para o CGIAR; (b) Convene – colaboração e comunidade em torno do Big Data do desenvolvimento agrícola; (c) Inspire – liderança pelo exemplo e inspiração de como o Big Data pode fornecer resultados para o desenvolvimento.
As CdP’s fazem parte das atividades do Convene, bem como a conferência anual e organização de workshops de aprendizado. Nesta categoria de atividade além de parcerias com universidades, startups, empresas do setor, entre outros, para facilitar a colaboração e a ideação também aumentam a capacidade interna e externa em abordagens de big data na agricultura, evoluindo comunidades de práticas que incentivam a interação e o envolvimento de uma série de atores para produzir novas ideias para resolver problemas de desenvolvimento. As CdP’s estão organizadas por assuntos técnicos: (a) agronomia; (b) modelagem de culturas; (c) geospatial; (d) pecuária; (e) ontologias; e (f) socio econômico.
As CdP’s promovem espaços e oportunidades de colaboração, facilitam a conectividade e o compartilhamento de metodologias e apoiam a organização de oficinas de capacitação. Você pode ver um vídeo com o coordenador da CdP de agronomia em um dos encontros presenciais; um conteúdo publicado pela CdP de modelagem e culturas; um infográfico das atividades da CdP de agronomia em 2018 e expectativas para 2019.
Este novo cenário propõem uma rápida adaptação dos Institutos de Pesquisa Aplicada em seus modelos de gestão de P&D e inovação. A comunidade de prática é apenas um dos caminhos possíveis. Salles Filho, Bin e Ferro (2007) indicam alguns direcionadores básicos para a configuração de um modelo de gestão:
- Disponibilizar dados de interesse;
- Promover, consolidar e ampliar o desenvolvimento de softwares abertos;
- Disponibilizar e divulgar a publicação científica;
- Participar de redes mundiais de pesquisadores na solução de problemas de interesse público e privado (mediante recompensas pecuniárias);
- Buscar formas adequadas de proteger a propriedade intelectual dos produtos e processos desenvolvidos;
- Introduzir o espírito de colaboração em massa na organização interna do P&D;
- Organizar-se para participar de modelos econômicos abertos (wikinomics e na open innovation).
Referências
CGIAR. (2019). Our Communities of Practice. Plataform for Big Data in Agriculture.
Ferreira, J., Mueller, J. and Papa, A. (2018), “Strategic knowledge management: theory, practice and future challenges”, Journal of Knowledge Management, Vol. ahead-of-print No. ahead-of-print.
Sales Filho, S., Bin, A. & Ferro, A. F. P. (2007). As abordagens abertas e as implicações para a gestão de P&D em organizações de pesquisa. Nota Técnica. Unicamp.
Wenger, E. (1998). Communities of practice: learning, meaning and identify. Cambridge: Cambridge University Press.
Sobre o autor:
Fernando Fukunaga é Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP). Recebeu o Mestrado em Administração (PUC-SP-2015) e o Bacharelado em Administração de Empresas em 2001. É Editor Associado da Revista Pensamento & Realidade com temas nas áreas de administração, economia, ciências sociais e ciências contábeis. Seus interesses de pesquisa incluem gestão do conhecimento, inovação e cultura organizacional. Atualmente, é Vice-Presidente Executivo da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento e community manager da Comunidade de Práticas de Maturidade em Gestão do Conhecimento e inovação.