Como a Gestão do Conhecimento pode nos alçar a patamares que transcendem o mero existir das organizações? Como existir pode se tornar um existir imbuído de sentido, de propósito e de maiores contribuições para o nosso ambiente intra e extra-muros institucionais?
A Gestão do Conhecimento tem sido uma grande estratégia de alavancagem dos resultados das organizações. Mas, antes de nos aprofundarmos na temática, incumbe-nos o desafio de retomar a definição de Conhecimento.
Ao realizarmos um sobrevoo nas definições clássicas do conhecimento, vale lembrar a origem do termo, que é advindo do latim cognoscere, que significa “ato de conhecer”. Platão definia o conhecimento como uma crença verdadeira, acompanhada de uma justificativa racional. Ele distinguia opinião de conhecimento, sendo este último obtido através do raciocínio. Já para Aristóteles, o conhecimento é um sistema de proposições que devem ser demonstráveis, por meio da experiência e da razão. Para ele, havia as três seguintes classificações de conhecimento: teorético (relacionado à observação), prático
(relacionado à ação) e produtivo (relacionado à criação). Permitam-me uma pequena digressão: seria esse o nascedouro da Taxonomia de Bloom?
Para René Descartes o conhecimento era algo de natureza indubitável e absoluta. Ele propunha que para alcançar verdades era necessário o método da dúvida (Seria o nascedouro dos métodos baseados na indagação e na problematização?). Descartes cunhou ainda a emblemática frase “Penso, logo existo”.
Dando um salto na linha do tempo da história, na idade contemporânea, Michael Foucault dizia que o conhecimento extrapola o que é verificável nas relações objetivas, sendo fruto das relações sociais e, portanto, intrinsecamente relacionado ao poder. Assim, dentro dessas relações de poder, define-se o que é verdadeiro ou falso.
Para nosso ilustre Paulo Freire, “O conhecimento é um processo social criado por meio da ação-reflexão transformadora dos humanos sobre a realidade”.
De maneira convergente, Piaget via o conhecimento como um processo de construção ativa pelo indivíduo, através da interação com o meio.
Seguindo na mesma lógica, ao revisitarmos os autores clássicos da Administração, Peter Drucker definia Gestão como um processo que envolve planejamento, organização, direção e controle com o intuito de atingir os objetivos da organização.
Mas afinal, em que essas diversas definições nos ajudam quando o assunto é Gestão do Conhecimento?
Entender a etimologia e as definições mais clássicas dos dois termos nos ajuda a compreender de forma mais orgânica o conceito de GC ao nos depararmos com as definições da literatura da área, tornando o conceito mais palatável.
Há na literatura, definições clássicas e amplamente consagradas sobre o que é GC. Para facilitar o entendimento, gestão do conhecimento é a mobilização dos saberes em um determinado contexto/instituição, com o intuito de que esses saberes estejam disponíveis e possam ser utilizados em momento oportuno, o que favorece a melhoria dos resultados das organizações, impulsionando seu crescimento.
Infelizmente, em alguns contextos, o conhecimento ainda não é reconhecido como um insumo, dentre tantos outros que existem nas organizações, sendo essa uma das armadilhas, pois sem a abertura para processos de reflexão das práticas, perpetuam-se formas equivocadas de realização de atividades que são essenciais para o cerne do negócio. A tirinha seguinte, ilustra esse tipo de armadilha, que é um dos entraves ao êxito da GC e de qualquer estratégia de gestão eficaz.
Fonte: desconhecida
Como todo processo de gestão, não é diferente para a Gestão do Conhecimento no que diz respeito à importância do planejamento. Assim, o planejamento de GC contempla as etapas do diagnóstico, que por envolver diversos stakeholders da organização, requer agendamento de entrevistas, visita a documentos institucionais, o que precisa ser contemplado em um cronograma. Além do diagnóstico, as etapas relacionadas à implantação/implementação também precisam ser inseridas no planejamento, com a definição de prazos para cada atividade e indicadores que demonstram os avanços e desafios.
Há que se reconhecer que em todo planejamento é imprescindível o mapeamento e a gestão dos riscos para que seja possível seu manejo em tempo oportuno.
Um planejamento bem estruturado em GC permite que os processos de conhecimento (identificação, criação, transferência, retenção e aplicação) sejam realizados de forma sistemática, transformando o conhecimento em um ativo estratégico, melhorando os resultados da organização.
O diagnóstico de GC, que deve ser contido no planejamento de GC, consiste em um mapeamento situacional do contexto institucional no qual se almeja implementar a GC ou elevar seu grau de maturidade, compreendendo o cerne do negócio, sua missão, visão, valores, sua cultura, seus desafios, a estratégia adotada e os problemas de conhecimento.
Assim, o diagnóstico permite o mapeamento das necessidades da instituição que são passíveis de ações da GC, bem como a detecção dos fatores facilitadores e dos entraves à implementação da GC.
Para realização desse diagnóstico adotam-se as duas seguintes etapas: 1) coleta de dados/informações seguida pela 2)Interpretação e compreensão dos dados/informações coletados, com base nas seguintes dimensões: Compreensão do Negócio ou propósito, dimensão negócio, dimensão GC, dimensão ambiente facilitar ou BA.
Há diversos instrumentos que subsidiam esse diagnóstico, tais como OCAI (para mapear a Cultura Organizacional predominante), mapeamento de conhecimentos essenciais e críticos. Além disso, workshops e entrevistas com stakeholders (nível estratégico e tático-operacional), consulta a materiais institucionais, como declaração de missão, visão e valores, mapa estratégico, cadeia de valor também são importantes insumos para o diagnóstico.
Os principais desafios no diagnóstico são: o acesso aos documentos formais da instituição, o acesso aos stakeholders e a escuta das reais necessidades da GC para que não apareçam respostas e informações enviesadas e que pouco refletem a realidade.
Usando uma analogia com o campo da saúde, quando o diagnóstico de uma determinada doença é realizado de forma superficial e equivocada, elabora-se um plano terapêutico para doença x em lugar da doença y. Assim, o desafio do diagnóstico de GC é ser o mais fidedigno possível da realidade em que se insere, o que fundamentará, por consequência, um plano que se adeque às necessidades da instituição, pois de nada vale um planejamento cartorial, sob pena de que a GC não seja devidamente reconhecida como essencial ao êxito do negócio.
Adicionado a tudo que discorremos ao longo do texto, vale lembrar que na sociedade da “infodemia”, gerir conhecimento passou a ser o diferencial para a saúde das organizações e, por conseguinte, do clima organizacional, apoiando na priorização dos conhecimentos que são valiosos para a estratégia da instituição, posto que para o exercício da gestão, é premente a tomada de decisão, com as escolhas contextuais, assumindo que o afã desmedido de saber e dominar tudo é impraticável e pouco assertivo diante da profusão informações/conhecimentos.
Por fim, retomamos a indagação inicial do texto: vale a pena uma existência sem propósito, sem definição de rumos, de legado, de contribuições para o entorno micro e macro? Essa provocação deve implicar não somente as organizações na dimensão coletiva, mas também da dimensão individual, sendo mandatório que os indivíduos que das organizações fazem parte reflitam, continuamente, sobre o porquê e para quê de algo que se faz. Sem essa reflexão, a Gestão do Conhecimento como quaisquer outras formas de alavancagem do negócio ficam fadadas ao vazio e ao fracasso.
Se conhecer, nos faz existir e galgar “melhores lugares ao sol” enquanto indivíduos e organizações, gerenciar o que se conhece é ainda mais potente!
por Polyana de Castro Limeira
Mestre em Ensino em Ciências da Saúde pela UNIFESP. Atua com Gestão do Conhecimento na Diretoria de Responsabilidade Social do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, instituição na qual foi responsável pela implantação da GC e de práticas avaliativas dos projetos PROADI-SUS. É graduada em Enfermagem (USP) e em Pedagogia (FAM). Atua com Educação Permanente e projetos em saúde pública há 13 anos.
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Editora Forense, 1984
Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento. Modelo de Referência em Gestão do
Conhecimento: Guia da Excelência em Gestão do Conhecimento. 2a Edição. Sociedade
Brasileira de Gestão do Conhecimento. São Paulo: SBGC, 2024.