Estou inserida no contexto das ICTs e organizações focadas em PD&I e recentemente me deparei com pessoas que, ao saber que existe alguma iniciativa relacionada à Gestão do Conhecimento (GC), reagem como se “agora seus problemas serão resolvidos”, na expectativa de que uma área de GC faça a GC e resolva os problemas de toda a organização, revelando a falta de compreensão de que quem faz a Gestão do Conhecimento são as pessoas! Mas essa percepção equivocada não para por aí. Ao tentar me aprofundar na queixa (ou na “dor”) de uma colega, descobri que de fato ela queria que a GC resolvesse um problema que surge porque duas pessoas estão usando plataformas diferentes para trabalhar no mesmo documento, o que gera versões divergentes, dificuldade de consolidação e risco de perda de dados. Expliquei que se trata de um problema de Gestão Documental e de Gestão da Informação.
Uma das ações estruturantes do Projeto de GC é a definição de Conhecimento e a definição de Gestão do Conhecimento de forma que tragam um sentido prático e significativo para as pessoas da organização.
Nesse contexto, o conhecimento é o principal ativo estratégico, constituído tanto pelo conhecimento explícito – presente em relatórios de pesquisa, patentes, produtos de software e resultados de PD&I – quanto pelo conhecimento tácito, incorporado na expertise, criatividade e habilidades técnicas dos colaboradores. Esse conhecimento sustenta a capacidade de inovação, gera valor tecnológico e cria impacto no mercado e na sociedade.
Segundo Nonaka & Konno (1998), a informação surge quando o conhecimento é extraído do “ba”: espaço compartilhado de criação de conhecimento. Ou seja, a informação é derivada do conhecimento, tornando-se tangível e passível de comunicação independentemente do contexto. A visão complementar de Tuomi (1999, apud ALAVI & LEIDNER, 2001) indica que o conhecimento precede a informação e apresenta o argumento iconoclasta de que a hierarquia frequentemente assumida, de dados para conhecimento, é na verdade inversa: o conhecimento deve existir antes que a informação possa ser formulada e antes que os dados possam ser medidos para gerar informação. Nas ICTs, isso é uma evidência de que não basta apenas ter dados ou documentos; é preciso um contexto e uma aplicação estratégica do conhecimento que
permita gerar valor real.
Nas ICTs, a GC pode ser entendida como o conjunto de práticas e processos que sustentam a Identificação, Criação, Retenção, Transferência e Aplicação do conhecimento de forma estratégica. O objetivo não é apenas produzir ciência e tecnologia, mas também transformar esses resultados em soluções comerciais, produtos de software e tecnologias que atendam às demandas do mercado e dos nossos clientes.
Para que o conhecimento seja efetivamente transformado em inovação e gere impacto, é fundamental compreender a interdependência entre Gestão Documental, Gestão da Informação e Gestão do Conhecimento. A Gestão Documental organiza e preserva registros, relatórios e documentos, garantindo que as informações estejam acessíveis, completas e confiáveis. A Gestão da Informação assegura que esses dados e documentos circulem corretamente, chegando às pessoas certas no momento certo. A Gestão do Conhecimento, por sua vez, é consumidora desses insumos: utiliza documentos e informações estruturadas para gerar insights estratégicos, práticas inovadoras e produtos de valor para o mercado. Essa integração garante que o conhecimento tácito e explícito não se perca, que a colaboração seja efetiva e que os resultados de PD&I sejam transformados em soluções concretas, maximizando o impacto tecnológico e social.
A confusão sobre o que é GC é reforçada pelo fato de que, embora a ISO 9001:2015 reconheça a Gestão do Conhecimento como critério de excelência, na prática, as auditorias concentram-se principalmente na verificação de evidências documentais, enquanto o ideal seria concentrar-se nos processos de GC, métodos, técnicas e resultados. Isso cria uma expectativa de que os auditores sejam continuamente capacitados para avaliar a GC de forma eficaz, considerando como o conhecimento é gerido, compartilhado e aplicado para gerar valor estratégico, inovação e impacto real, em vez de apenas verificar se documentos e registros estão corretamente armazenados e controlados.
Assim, a suposição inicial da colega de que a Gestão do Conhecimento “resolveria todos os problemas” evidencia a necessidade de alinhar percepções quanto ao papel efetivo da GC: a GC não substitui a Gestão Documental nem a Gestão da Informação, mas depende delas para cumprir seu papel estratégico. A expectativa é que essa confusão diminua quando a GC deixar de ser vista simplesmente como solução imediata para problemas pontuais e se consolidar como parte da cultura das ICTs, reconhecidamente uma capacidade organizacional contínua e estratégica.
Sobre a autora: Elisabete Fonseca é Coordenadora de Gestão do Conhecimento e integra a equipe de Desenvolvimento Estratégico do CPQD.
É tradutora/revisora formada em Letras (Inglês-Português) pela PUC-Campinas e possui MBA em Gestão de Pessoas pela ESAMC.
Referências
ALAVI, M.; LEIDNER, D. E. Knowledge Management and Knowledge Management
Systems: Conceptual Foundations and Research Issues.
NONAKA, I.; KONNO, N. The Concept of “Ba”: Building a Foundation for Knowledge
Creation. California Management Review, 1998.
